O que é dar amor?
- Francisca Bezerra Vale

- 15 de fev. de 2022
- 4 min de leitura
Vejo todos entrarem na sala com um sorriso nos olhos, embora a maioria não me veja. Estão olhando para o chão, pois na realidade não querem estar ali.
Inicio uma conversa:
- Bom dia, bom dia, turma!!! Tirem as sandálias e subam no tatame.
- O que vamos fazer? – pergunta um deles.
- O que você quer fazer? – devolvo.
- Eu quero é ir embora.
- Você irá, logo, logo. Por enquanto, vamos nos alongar, respirar e até sonhar. Alguém aí não está respirando? – provoco.
- Estamos, é claro, senão estaríamos mortos – retruca.
– Ah, então, fechem os olhos e observem sua respiração por um instante.
Percebo que alguns não conseguem fechar os olhos, pois se fecharem, os pensamentos pulam feito pipoca na panela. Sinto que preciso chegar em cada um deles de forma apropriada.
Diante disso, me lembro que quando recebi o convite para fazer voluntariado na unidade de internação de adolescentes cumprindo medida socioeducativa de restrição de liberdade, perguntei, a quem tinha me feito o convite, o que eu poderia fazer e me foi dito que eu deveria dar amor. Fiquei me perguntado como faria isso.
Brinco perguntado se lembram de quando sua mãe ou a professora mandava-os ficarem quietos. Balançam a cabeça e logo percebo que não gostaram do que foi perguntado. Mas eu aproveito o olhar atento – às vezes inquietos ou indignados – e inicio alguns movimentos de Yoga, solicitando que me acompanhem. Aproveitando o ritmo calmo da música, digo que vamos nos aquietar, sossegar o corpo e a mente e, por isso, os movimentos corporais devem ser em câmara lenta e combinados com a respiração.
Chegar na unidade, arrumar a sala para receber a turma, enquanto meu o corpo e mente sentem o lugar, gera sempre uma expectativa em mim. Minha tarefa é me sintonizar para perceber, mesmo antes de eles entrarem na sala, como será a aula.
Alguns me acompanham com alegria, outros colocam objeção ou riem dos que estão se esforçando. Lanço sobre eles meu olhar sério, aquele que lançava aos meus filhos quando precisava colocar limites neles e, com amorosidade, peço que me sigam, pois estamos ali com o mesmo objetivo, que é tornar nosso dia melhor que o de ontem. O espírito de grupo e a alegria, aos poucos, ganham espaço durante a aula.
Ali todos os internos encontram-se fragilizados, por diversos motivos e ao apresentar-se uma atividade que está fora da rotina deles, não só na Unidade de Internação, como em suas vidas, pode gerar uma falta de compreensão do porquê fazer aquilo. Uma das primeiras perguntas que geralmente me fazem é: O que vamos fazer e para quê?
Iniciei às aulas indo todas sextas-feiras, às 9hs. Ficava olhando, de longe, como trabalhavam os demais voluntários em outras atividades e me resignava em fazer Reiki a distância. Meu coração se enchia de amor e eu sempre me despedia da unidade mais alegre do que eu tinha chegado. Acho que recebia mais amor do que dava.
Começamos os encontros chamando de “Oficina de Aquietação”, porém, para a minha surpresa, eles [os internos], após alguns encontros, já entenderam que iríamos meditar e, logo que nos reuníamos, perguntavam:
- Como vai ser? Não podemos ir para cima da montanha! É lá que ficam os monges meditando.
Todos gracejamos e eu continuo:
- Vamos meditar e nos mudar, em pensamento, para cima da montanha.
- Você já meditou na montanha, professora?
- Sim. Eu me sento no chão da minha casa e vou para lá – afirmo.
Risos novamente.
- Agora fechem os olhos, respirem bem fundo e soltem o ar bem devagar e continuem fazendo isso por um tempo - noto o semblante deles cada vez mais leve e descontraído.
Após uns dois meses de visita à Unidade, todas as sextas-feiras, a diretoria quis conhecer mais a fundo o que cada voluntário estava fazendo lá. Foi então que elaborei uma proposta, usando a técnica de Mapa Mental, com as possibilidades de trabalho para o grupo de voluntários, no entanto, na reunião foi solicitado que cada um apresentasse a metodologia do trabalho que desenvolvia com os meninos. A minha proposta foi realizar a ‘oficina de aquietação’ com a própria diretoria.
- Você poderia nos mostrar agora? – perguntaram.
Não tive dúvida. Levantei-me e coloquei uma música no celular - Oração do Tempo, do Caetano Veloso - e pedi a todos que tirassem seus sapatos, fechassem os olhos e se observassem.
- Sinta sua respiração, sinta os pés no chão, respire profundamente. Lentamente, respirem, respirem e respirem” - eu conduzia com a minha voz e energia.
No momento em que a música terminou (com duração de 3 minutos) eu falei: - abram os olhos lentamente. Como estão?
Sem respostas, apenas sorrisos, alguns nem abriram os olhos e então iniciei outra música chamada “A Paz, de Gilberto Gil.
Continuei conduzindo: - Respirem, respirem e respirem profundamente.
Terminada a música, pedi para abrirem os olhos lentamente e dei mais um minuto para que estivessem plenamente atentos ali.
- E agora, como estão? – perguntei novamente.
Lembrei-me que me haviam dito que eu deveria dar amor, então falei que esta foi a maneira que encontrei de dar amor, para cumprir com o meu trabalho na Unidade: fazer com que todos se aquietem e sintam como estão, não só no espaço-tempo, mas na mente, percebendo seus pensamentos e sentimentos, fazendo com que conquistem o autoamor, o amor que está guardado dentro de cada um.






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