Como a Covid-19, a ansiedade também é contagiosa

Na psicologia, a transmissão da emoção é chamada da contágio social. Você já foi contagiado? já se viu alterado emocionalmente apenas por ouvir alguém que está com um discurso intenso e “inquestionável”?

Nos meus primeiros anos de psicologia eu visitei um hospital psiquiátrico, como aluna de um professor que tinha acesso a ala mais “tensa” do hospital. Lá existiam pessoas que já tinha sido abandonadas por suas famílias, alguns vivam lá há mais de 20 anos.Um paciente em especial conversou comigo em diferentes línguas por mais de uma hora. E lá estava eu, ouvindo muito e falando pouco com uma pessoa que parecia 100% segura do que estava dizendo, não havia espaço para dúvidas no seu discurso.

Ao final da nossa conversa, me senti confusa, sugada por um mar de ideias que por algum motivo me pareciam difíceis de serem questionadas. Por um momento eu esqueci que estava conversando com um paciente que já morava há alguns anos na ala psiquiátrica do hospital mais antigo de Brasília, aquele que já havia sido um manicômio. Eu me abri totalmente para entender a realidade daquele paciente, algo em mim sabia que somente assim eu poderia ajudar. Porém, essa abertura a história do outro tem consequências.

O monitor da disciplina havia me percebido e veio em minha direção após o final da conversa. Ele começou me parabenizando pela atenção e “imediata confiança” que conquistei do paciente. Logo depois ele me perguntou: como está se sentindo? Eu me observei e fui descrevendo: meus ombros doem, minha respiração está acelerada, me sinto confusa e existe uma tensão ao meu redor... ao mesmo tempo eu tenho uma sensação de “flutuar” no espaço, como se nada me prendesse ao chão. Algo em mim estava preso a aquele paciente. O monitor então me explicou que eu estava vivendo um contágio emocional.

Uma conversa com alguém ansioso pode desencadear nossa ansiedade, contaminando emocionalmente áreas do nosso cérebro que fazem com que comecemos a nos preocupar com tudo, respirar rápido, ter medo de que coisas aconteçam e sentir-se ameaçados (Brewer, 2021). Se eu não conseguisse descrever para o monitor como estava me sentindo poderia ter esquecido que aquela forma de me sentir havia sido criada após a conversa com o paciente e nesse caso ela permaneceria mais tempo em mim e quem sabe eu poderia até me acostumar a viver assim.

Se não conseguimos controlar a ansiedade, essa “febre” emocional se transforma em pânico, definido como “medo ou ansiedade súbita e incontrolável, causando, em geral, comportamento extremamente impensado”. Sobrecarregado pela incerteza e pelo medo do futuro, você pode tomar decisões incoerentes com quem você realmente é, com seus valores. Sabe quando você já está num ponto onde se sente totalmente perdido e desacredita da sua própria força?

Eu me lembro também que naquele dia voltamos de ônibus para a Universidade e na trajetória de volta eu puder passar um tempo sozinha, respirando profundamente e observando o caminho, algo que me ajudou a parar de pensar naquela conversa. Pude assim separar: o que eu vivi no hospital é radicalmente diferente do que eu posso viver na universidade. Essa separação protegeu meu bem-estar e diminuiu o alto nível de ansiedade que eu estava sentindo.

Na vida, as vezes somos “o paciente em surto” e outras vezes somos “a estudante que só quer ajudar”. Entender a nossa história, questionar nossas verdades absolutas, conversar com as outras pessoas sem impor nossa emoção e observar como nos sentimos após cada conversa pode nos blindar de episódios de contaminação social.

Espero que seja conteúdo te ajude a refletir

Gabi Vale